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metade sol metade sombra

CARTA DO ARAGUAIA

Mãe, aqui no Araguaía fez-se outono,

os Guerrilheiros estão caindo

ensanguentados, no chão,

fazem estrume para a Liberdade.

 

Mãe, parece que estou vendo

teu corpo lá no canto

feito uma rosa em canteiro,

cercada de amor, de carinho,

tirando da vida espinho

parecendo um jardineiro.

 

Mãe, eu até te vejo em sonhos

te vejo até acordada

pensando no filho ausente

cuidando no que está presente

com as mãos cheinhas de calo.

 

Mãe, meu amor por ti é tanto

que sem ti me vem o pranto

sem que eu peça pra vir,

é que saí do teu ventre

e, se hoje me fiz gente,

só posso dever a ti.

Que me ensinaste o caminho

me deixando em liberdade

pra combater, pra lutar

por um mundo de Igualdade,

Justiça, Prosperidade,

feito só do verbo amar.

Mãe, tu dizias que irmão

é o próximo e o distante

dizias que a tirania

enche o povo de agonia,

falavas em libertação.

Mexendo nos meus cabelos,

fazias cachos com o pente

falavas de uma lei

ditada por um tal rei:

"olho por olho, dente por dente" ...

 

Não, dizias, não é assim,

a Justiça é plantada

devagar, mas com firmeza,

começa feito riacho

que vira, depois, correnteza.

força pequena, que vira

aos poucos força maior,

vira oceano, cascata,

dilúvio, aluvião,

tromba d'água

maremoto

e, depois, o Furacão.

Lê, a História, ela diz,

é essa a força correta

que arranca pela raiz

toda e qualquer injustiça

de todo e qualquer país.

 

Mãe, a tua querida rede

e aquela velha sacola

estão ali bem em frente

penduradas na parede,

sentindo o que a gente sente.

Uma me lembra a escola

onde fui aprender ler

a outra me lembra os caminhos

que me restam percorrer.

 

Mas mãe, a coisa hoje piorou ...

criança não é criança

agora virou trombadinha,

polícia não policia

agora é esquadrão da morte,

invasão de americano

nas nossas terras do Norte,

do Centro e.do Oeste,

do Sul, Leste e Nordeste,

chamam projetos Jari ...

 

Eita, mãe! Este bilhete

virou carta, ramalhete,

declaração de amor

e, nem sei pra que repetir,

aprendi tua lição

e as que a injustiça ensinou.

 

Pra me livrar da Censura

vou te mandar sem receio

pelo malote do vento

versos cheinhos de amor,

sabes que o meu pensamento

onde eu estiver está aí,

não chores, toma cuídado,

se eu morrer, fica lembrado:

foi por Amor, foi por ti

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