Tributo a Maria Celeste
Enaide Vidal, pulicado no Diário de Pernambuco
Uma parada traiçoeira parou para sempre o imenso coração de Maria
Celeste, depositário de tantos outros corações: coração pleno de amor, que
pulsava forte pela humanidade, especialmente pelos mais fracos e oprimidos;
coração raivoso que gritava de revolta pelas injustiças e desigualdades sociais;
coração generoso e compreensivo, que repelia as discriminações, abraçando
negros, prostitutas e gays; coração sensível que se enternecia com a poesia
erudita ou de cordel, sendo ela própria exímia poetisa,
cuja obra foi compilada em três livros:
BANDEIRA A MEIO PAU,
METADE SOL METADE SOMBRA
E LITERATURA DE CORDEL.
Era, enfim, o coração paraibano a pulsar de amor por Pernambuco,
que a acolheu generoso e que lhe serviu de túmulo. Em Pernambuco tornou-se
conhecida como a professora de Vitória de Santo Antão, presa pelo golpe
militar de 64 como simpatizante e militante das Ligas Camponesas, que
defendia o sagrado direito de dar terra para aqueles que nela trabalham. Presa,
torturada, afastada dos três filhos menores e da família, ela não fraquejou.
Manteve-se firme, coerente com os seus ideais até a morte.
A justiça dos homens não a condenou, pois nenhum crime praticara.
Entretanto, passou quatro anos atrás das grades. Foi demitida do cargo de
professora, perdeu direitos e, por muito tempo, a cidadania, vivendo na
clandestinidade em seu próprio país. Com a anistia, voltaram aos poucos os
direitos usurpados. O cargo lhe foi devolvido sem promoções ou acréscimos.
O Estado nunca lhe fez justiça. Requereu progressão no cargo de
professor, mas seu requerimento não teve resposta. Não teve a sorte de
outros tantos presos políticos, que viraram heróis, que se transformaram em
políticos históricos, que receberam gordas indenizações e aposentadorias.
Morreu como viveu: pobre e dignamente. Sua obra literária, não recebeu da
Imprensa o destaque que merecia. A glória e o reconhecimento só recebeu da
Anistia Internacional, que a levou à Alemanha, onde figurou, com destaque,
em jornais e televisões locais, como exemplo de mulher de fibra e coragem.
Você partiu Celeste, em pleno dia de eleição, depois de ter visto pela
TV seu ídolo, Lula, votar. Em sua cabeceira de hospital estavam, a seu pedido,
uma bandeirinha do Brasil, um adesivo de Lula e de Adailton Vidal, seu irmão candidato.
Você morreu política como sempre foi, coerente com seus ideais de
justiça e de democracia. Choramos a sua morte, orgulhosos de você, na certeza
de que um dia, nos encontraremos no céu, onde não há injustiças e
para onde vão os puros de coração como você.
Fonte: livro Retalhos de Vida, de Enaide Vidal, 2015, Pernambuco.
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