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HIRAM DE LIMA PEREIRA, APENAS UM PRONTUÁRIO

Flávio Tiné*


O lançamento do documentário sobre Hiram de Lima Pereira é mais uma oportunidade de desmistificar uma das maiores mentiras que se lançou sobre o País em 1964, mergulhando-o em pelo menos 20 anos de feroz ditadura. Tentou-se impingir a idéia de que havia uma ameaça, os comunistas querendo comer criancinhas, destruir a família, acabar com a propriedade. Jogou-se num mesmo balaio diferentes correntes revolucionárias, de caráter e tendências divergentes, sendo que o Partido Comunista Brasileiro, por seguir a orientação da União Soviética, seria o mais poderoso, por ser o que tinha maior número de adeptos e ter conseguido maior popularidade.


O jornalista Hiram de Lima Pereira era um desses "perigosos subversivos". Conheci-o quando secretário da prefeitura do Recife e um dos diretores do jornal Folha do Povo, órgão do PCB em Pernambuco. Como jornalista de Última Hora, que nada tinha de comunista mas apoiava o Governo Miguel Arraes, mantinha estreito relacionamento com os membros dos poderes Executivo e Legislativo, municipal e estadual, inclusive com Hiram de Lima Pereira.


Se bem me lembro de sua atuação, decorridos 50 anos, Hiram era um administrador preocupado com a correção e honestidade dos diversos serviços públicos e defendia, como não poderia deixar de ser, tratando-se de um socialista, as leis, decretos, normas e atitudes voltadas para as camadas mais humildes da população. Como se sabe, o Partidão, como era chamado o PCB, defendia uma revolução de costumes pacífica, ordeira, conquistada pelo convencimento, nunca pelas armas. Nesse aspecto, Hiram não parecia exatamente com um revolucionário. Era alegre, brincalhão, educado e cortês no tratamento com pessoas de qualquer nível. Lembro, a esse propósito, episódio de que fui participante.


Almoçando certa vez no sobradinho em que ele morava na rua Imperial, a convite de suas filhas, fui admoestado pelo silêncio com que degustava a comida de D. Célia. Na verdade, tímido, sentia-me intimidado diante de reconhecida autoridade. Era uma honra muito grande desfrutar de tão importante companhia, bem como de agradáveis criaturas, filhas maravilhosas e esposa dedicada. A bronca veio de forma inusitada. Perguntou-me se eu não seria, quem sabe, um novo Jesus Cristo, que só se revelaria aos 33 anos. Eu tinha meus 25. A sutil reprimenda constitui pequena amostra da forma como ele educava as pessoas, lembrando-as de suas responsabilidades.


O que me impressionava nele era sua extrema preocupação com a família. Duas de suas filhas, Sacha e Nadja, formaram-se em administração de empresa pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Zodja estudava balé no Teatro Santa Isabel. A quarta, Hanya, tornar-se-ia advogada. Ele tinha por hábito - bons e velhos tempos - almoçar em casa. Em resumo, um homem honesto, voltado para os direitos dos mais humildes, amoroso com a família, educado, onde estaria o "perigoso subversivo"?


Quando estourou o golpe de 64, Hiram sabia que se fosse preso seria inevitavelmente torturado. Daí seu esforço em continuar a luta disfarçado, com nova identidade e nova cara, ora no Rio, ora em São Paulo. Como ator experiente não lhe seria difícil viver como outra pessoa. Só que ele não teve a mesma sorte de José Dirceu. Foi visto pela última vez num jantar em família em fins de 1974. Desapareceu sem deixar vestígio algum.


Nos dois volumes de documentos secretos da ditadura militar, publicados recentemente pela Companhia Editora de Pernambuco com o título de CONFIDENCIAL, de autoria do advogado Hiram Fernandes, seu nome consta da "Relação de Elementos Subversivos Prontuariados no Arquivo desta Delegacia de Segurança Social", na página 238: Hiram de Lima Pereira. Pront. 1.095.

 

Flávio Tiné é jornalista, assessor de imprensa da prefeitura do Recife no Governo Pelópidas Silveira. Trabalhou na Última Hora, Editora Abril, Estadão e outros órgãos de imprensa de São Paulo, Membro da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.

 

 

 

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